O texto abaixo é reproduzido"sic", de uma Carta de Amor transformada em e-mail para os amigos e conhecidos. Com a devida autorização, retirado o apelido comum e sem mais comentários, aqui vai.
«Olá companheiros pedagogos de pré-adolescentes e candidatos a,
Ontem à noite estava a rever o teste de Português do João e a tentar entender porque é que tanto esforço tinha resultado num miserável 56%.
Perguntas de interpretação respondidas em formato telex? mas não tinhamos praticado oposto mais de 500 vezes????
Ausência de consciência de qual era o papel do narrador naquele texto????
No final a surpresa... uma composição que garantidamente o salvou da negativa e também da minha fúria e frustração.
Ultimamente sinto que nado,nado,nado, e quase que morro na praia.
Eis senão quando, uma surpresa tão gratificante!
A composição do teste visava desenvolver uma história baseada num excerto dum texto (excerto de Arroz do Céu - José Rodrigues Miguéis).
Muito resumidamente, o texto contava a história de um limpa-vias que trabalhava no metro de NY (subway) mais um imigrante de Leste que mal falava inglês.
Sem qualquer contacto com a realidade do que se passava acima dos respiradouros do metro, somente sabia que entre o lixo qe lhe cabia apanhar, chovia arroz do uptown, chovia o arroz que era atirado aos noivos que casavam na igreja situada sobre o subway, e que o alimentava a ele e à família.
Basicamente, o texto ilustrava a condição humana e as desiguladades sociais,etc,etc.
Passo-vos na integra o texto da composição feita pelo João.
Antes ainda, e citando o meu poeta favorito (até porque não conheço muitos)
Tudo vale a pena quando a alma não é pequena
Estava o limpa-vias num pacato dia de trabalho, quando na parede do "subway" vê um cartaz a dizer" Procura-se empregado para biblioteca. Pagamos bem." Ao ver isto, o limpa-vias assentou o numero num bloco de notas que encontrara no chão, meio molhado, e foi para casa a pensar nisso.
No outro dia, levantou-se, tomou banho ( o que é raro ) e foi para o sítio indicado. Antes disso, visitou um amigo para lhe perguntar algumas palavras que supostamente iria utilizar. O amigo, ao ver que ele se ia formar, ficou contente, porque também ele era emigrante e até à actualidade trabalhava numa caixa de supermercado.
O limpa-vias, ao chegar lá, deparou-se com uma fila enorme de pessoas , incluindo outros emigrantes e pessoas que tinham sido despedidas depois de uma carreira e agora aceitavam todo o tipo de trabalho que encontravam.
O limpa-vias, ao ver aquelas pessoas todas, chocado disse:
- Sou um mero emigrante aqui, mas tenho trabalho, até posso ser uma espécie de analfabeto, mas tenho honra.
Ao dizer isto, foi-se embora e desejou que alguém conseguisse alguma coisa dali, uma pessoa que necessitasse mais daquilo do que ele.
João P.
10/3/07
Hoje quando chegar a casa, sei que vai continuar a incomodar-me o pé debaixo do "rabo" a meio metro da mesa, sorvendo o espargeuete em vez de o enrolar no garfo, pousando o cotovelo em cima do guardanapo imaculado contrastando com os cantos da boca pejados de molho de tomate, os vestígios denunciadores das bolachas comidas no local mais proibido da casa, a sala, as meias que nascem de entre as almofadas dos sofás, a medalhas do descuido pela roupa toda todos os dias, os recados da escola perdidos, a matéria para os testes não apontada, os sacos do lanche retirados da mochila no Domingo à noite verdes de mofo, o quarto em estado sempre pós tufão, as embalagens vazias de oreo coladas às calças, os dentes desesperadamente mal escovados, a pasta dos dentes espalhada pelos cantos da boca quando já descemos no elevador e não temos água para disfarçar, as inúmeras tshirts da ginástica perdidas...
Mas vou mais feliz, porque poderei não estar a criar o homem mais cuidadoso, mais organizado, melhor aluno, mais atento do mundo, mas estou a alicerçar um rapaz que já aflora bons princípios, solidariedade e muita sensibilidade.
Hoje acho que vou gritar mais baixinho, e prometo que vou mesmo aprender a não gritar e a reduzir substancialmente a aquela observação tão cruel que sai tantas vezes "desculpa!!! mas tu não podes ser normal!!!!.
BJS
Anabela P.»