Muito me apeteceu escrever sobre esta época. Não o fiz porque me pareceu sempre que poderia soar pessimismo. Pelo contrário, continuo a acreditar, a apostar no ser humano, a saber que pode mudar, afirmar-se, dar-se, ser abnegado, ser altruista, ser carinhoso e compassivo para com o seu próximo, o seu igual, o seu dele, o nosso, o de todos.
Depois saio lesto à procura de €540 de doação para uma instituição que acarinho. Ligo aos que me parecem ter disponibilidade, acorro àqueles que me parecem em melhores condições e deparo-me com orçamentos esgotados, a "coisa está preta", as "coisas não estão fáceis", e aquele interminável escoar de desculpas, concerteza válidas, as doenças familiares e desgraças inerentes, equivalentes à eterna resposta ao "Então como estás?". Mas não é possível, imagino eu, mais do que distante das realidades nacionais, do crescimento sustentado com que me preenchem os ouvidos e o meu discernimento que continua resistente a esta ideia e saio para a rua, noites longas de Lisboa, ou melhor ainda, a LBN, traduzindo para os menos atentos, Lisbon By Night.
Esta maravilha que me faz sair de casa e enfrentar o frio que agora se começa a sentir, Mesericordia -belo nome- Chiado, Garrett, Belas Artes ... aqui paro, mais do que encantado, encandeado, pelo brilho de 20.000 - leram bem - vinte mil lâmpadas, uma central de energia quase própria para iluminar a Maior Arvore de Natal da Europa. Recolho-me à minha pequenez, ao meu tamanho real, esmagado por este objecto Maior da Europa e descubro que vivo num país fantástico, maravilhoso, que não tem Pirâmides, não senhor! Que não tem como manter a sustentabilidade do seu sistema de Segurança Social, não senhor! Que tem todas as semanas o seu sistema de Industria e degradar-se e a encerrar, sim senhor! Que tem cada dia mais pobres nas ruas, sim senhor! Que não tem como fazer face ao crescente número de crianças abandonadas que aparecem na rua, não senhor! Que reduz as contribuições às instituições que se lhe substituem nas obrigações sociais, sim senhor! E mais um sem número de quês e porquês, mas tem a Maior Árvore de Natal da Europa, patrocinada por uma instituição de crédito (?) daquelas cujos representantes vêm para as tv.s, jornais e revistas acusar os portugueses de descontrole e acesso exagerado ao crédito e de viver acima das suas possibilidades e até nem fazem, não senhor! nas mesmas tv.s, jornais e revistas, publicidade aos seus inúmeros produtos de compre hoje comece a pagar daqui a seis meses, compre hoje que lhe triplicamos o seu ordenado, compre mais que ganha mais, compre, compre, compre, crédito, crédito,crédito ... !!! As mesmas instituições que atingem recordes de lucros na maior e mais profunda crise económica que este país (não) atravessa, não senhor!
Upsss! consigo recuperar a visão, ficando de costas para esta "maravilha" que me deveria encher de orgulho, que não reconheço isso em toda a minha ingratidão, olhando agora as intermináveis filas de papalvos ( escrevi mesmo esta palavra?) que passam varias horas do seu serão, em romaria ao dito objecto maior da Europa, gritando com o parceiro do lado, de trás, buzinando, dando um mimo mais viril á mulher e prometendo umas bofetadas "bem dadas" ao puto que está farto de estar quieto no banco de trás e quer chegar rápidamente à árvore ...
Resumo-me à minha insignificância e faço umas quantas contas rápidas ( de aritmética, claro!) e penso quantas máquinas de lavar roupa semi-industriais estão ali a ser "queimadas" nesse preciso momento.
. . . mas eu só queria €540 para pagar por uma !
Feliz Natal e Próspero Ano Novo e façam o favor de ser FELIZES.
.
26 December 2006
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
3 comments:
mas ainda acreditas mesmo no ser humano? Eu, e todos, prefiro olhar para o lado e tentar ser feliz.
Se esses senhores fossem espertos teriam posto um mealheiro ao lado da aberração... tenho a certeza que no fim poderiam comprar muitas maquinas industriais. Mas afinal tiram-se doutoramentos para quê?
(carminho)
Vou comentar:
1. A árvore está ali muito bem, para nos lembrar que nós portugueses sempre fomos, somos, e seremos uns saloios com a mania das grandezas.
2. Por trás da filosofia bancária está uma velha máxima: nunca se empresta a quem precisa, apenas aos que podem pagar.
3. E porque se refere ao Millenium, por acaso experimentou escrever uma carta ao presidente do dito Banco ou ao seu secretário-geral a pedir um donativo para a sua causa?? Por trás dos nomes há rostos e seres humanos. Talvez o apoiassem...
4. Numa outra perspectiva, é mais fácil que 54 pessoas dêm 10 euros cada uma, que uma só dê os 540.
5. Por fim, já que aqui falou nisso podia ter mencionado o nome e o NIB da Instituição. Quem sabe quem lê este seu blogue não a pudesse ajudar com um donativo ou outras coisas que a instituição tambem precise?
6. A arvore e a caridade têm tanto a ver como o cultivo do ananás e o plantio da batata. O BCP é uma empresa de sucesso e pode financiar a àrvore. Os outros insucessos do país não podem nem devem ser imputados ao BCP. Experimente pedir-lhe um donativo para a sua causa, pode ser que se surpreenda positivamente.
PS - Uma observação à marmanja: tiram-se os doutoramentos como antigamente se tirava a 4a classe [aliás a cultura geral no final não me parece muito diferente]. Faz parte da filosofia da maior árvore do mundo.
Olhar para o lado e ser feliz...
Eu nunca conseguiria, mas cada um dorme com a sua consciência. [E as voltas que a vida dá!]
Post a Comment